sábado, 3 de fevereiro de 2007

Despenalizar a Interrupção Voluntária de Gravidez é tomar a decisão que os políticos evitaram. É não criminalizar as mulheres pela prática de uma I.V.G. É decidir em referendo o que à muito deveria ter sido reconhecido e aprovado em sede parlamentar.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

A Manipulação Emocional: Arma de Campanha

Após a viragem de mais um século, seria de esperar que o Homem estivesse a queimar mais uma etapa no aperfeiçoamento da sua mentalidade, sobretudo no que diz respeito ao comportamento perante o seu semelhante. Porém, se há coisa para a qual servem as campanhas relativas a eleições ou a referendos é para verificarmos o quanto esta esperança parece ser vã. Nestes períodos, em que 0,5% da população, ou seja, aquela percentagem que realmente se mobiliza, passa duas semanas a tentar convencer os outros 99,5% de que as suas ideias é que estão correctas, vale tudo, até mesmo o uso de manipulação emocional.

Ontem, através de um canal de televisão, tomei conhecimento da seguinte notícia: em quatro creches (de uma localidade da qual não me recordo o nome) foram colocados folhetos nas mochilas das crianças apresentando textos claramente em defesa do voto no “não” no referendo sobre a IVG. Esses textos, obviamente destinados aos pais das crianças, foram redigidos como se se tratasse de uma carta escrita por um feto vítima de um aborto à sua mãe desnaturada, questionando-a sobre os porquês que a tinham levado a cometer tal acto. Foram citadas algumas passagens do texto na reportagem, mas, na impossibilidade de me lembrar delas com exactidão, apenas posso dizer que incluíam declarações semelhantes a: “mãezinha porque é que me mataste? estava aqui tão bem a brincar dentro da tua barriga e de repente veio um grande ferro e levou-me”, etc. Segundo o que foi dito, terá sido o padre responsável pelo centro paroquial ao qual pertencem as creches o autor desta brilhante ideia. Claro que isto não seria problema se as populações – e, neste caso específico, os pais das crianças – estivessem esclarecidos. Mesmo votando “não”, não votariam “não” pelas razões sem sentido apresentadas pelo folheto. O pior é que, quando chegou a vez de ouvir as reacções dos pais quando lhes perguntaram o que é que achavam da iniciativa do padre, surgiu a elucidativa resposta de uma das mães: depois de dizer que concordava com o texto, acrescentou qualquer coisa parecida com isto: “se calhar é mesmo assim que o bebé se sente dentro da barriga quando é vítima de um aborto”. Se esta eleitora, detentora, por isso, de poder de voto, estivesse informada, saberia que um feto com dez semanas não pode sentir dor, nem ter consciência, pois não tem sistema nervoso central e o seu cérebro ainda não está completamente desenvolvido.

Este caso remete-nos para a manipulação a que a Igreja sujeita muitos dos crentes por esse Portugal fora, sobretudo nas zonas do interior Norte, mais isoladas, com menos acesso à informação e onde a palavra dos clérigos é lei. O que torna o problema mais difícil de ser combatido é o facto de apelar à parte emocional e religiosa das pessoas. Não é por acaso que foi um padre o autor dos folhetos, nem muito menos, o facto de estes terem sido distribuídos em creches, e logo nas creches dependentes do centro paroquial que este dirige. Procurava-se visar pessoas com filhos ainda muito jovens, que provavelmente tinham sido pais à pouco tempo, e, portanto, com a experiência ainda muito recente de ter cuidado dos seus bebés. Por outro lado, se olharmos para o facto de o autor dos panfletos ser, ao mesmo tempo, o padre daquela paróquia e o responsável pelas instituições onde a população deixa os seus filhos todos os dias (provavelmente de forma gratuita), facilmente compreendemos que essas pessoas acabam por se sentir obrigadas a cumprir, não só as orientações do seu guia espiritual e porta-voz da lei divina, como do homem que zela pelo bem-estar das suas crianças enquanto estão nos seus empregos.

Este acontecimento é apenas um entre muitos. Os movimentos, grupos e instituições que defendem o “não” no referendo sobre a IVG jogam constantemente com o factor emocional, pois não têm bases racionais sólidas nas quais sustentar os seus argumentos. O antídoto está exactamente em não entrar nesse jogo e manter a discussão no campo da razão. Só assim será possível fugir ao sentimentalismo, à demagogia e ao populismo.

Dia 11, vamos vencer a manipulação emocional promovida pelos movimentos que defendem o “não”.
Dia 11, vamos vencer o obscurantismo
Dia 11, vamos votar SIM.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Porque respondo SIM

Votar sim é a oportunidade de terminar com a criminalização da interrupção voluntária da gravidez (I.V.G).
Esta será a consequência de maior visibilidade no momento de vitória do sim no próximo dia 11. Mas não será a única consequência importante.

Votar sim é permitir ao "outro" cumprir, dentro de um regime de legalidade, com as decisões que toma em consciência. Neste caso é não arrogar o direito de votar para decidir por terceiros numa matéria que é do foro íntimo da mulher, no máximo, do casal.

Acabar com a penalização da I.V.G. corresponde ao fim do véu da ilegalidade que condiciona de forma negativa a decisão. Entenda-se; despenalizar é permitir, à mulher, num momento difícil e de grande fragilidade, recorrer ao aconselhamento médico sem temer o jugo de uma lei que a penaliza criminalmente. Despenalizar é contribuir para uma decisão ainda mais ponderada.

Despenalizar é contribuir, de uma forma decisiva, para o debelar de um problema de saúde pública. Um problema que ganha forma através dos números que todos conhecemos.
A I.V.G. que não é medicamente assistida aumenta o risco de lesões físicas e psíquicas para a mulher. Os casos de morte acontecem e não podem ser ignorados.

A I.V.G. não é um método contraceptivo. Não é um acto leviano. É uma decisão que requer as melhores condições para que possa ser tomada em consciência.

Pequenos Apontamentos: Comunicação Social - Adopção - Consciência

Nas últimas semanas, o país tem vindo a ser bombardeado pelos meios de comunicação social com constantes notícias relativas ao caso do sargento Luís Gomes, o homem que adoptou uma criança, e, vendo-se em risco de a perder para o pai biológico – agora reclamador da sua tutela – resolveu levá-la para paradeiro desconhecido e mantê-la escondida da justiça.

Face à tamanha quantidade de informação disponibilizada sobre o caso, tem-me ocorrido, por diversas vezes, se todo este aparato, exactamente durante o período de pré-campanha e campanha para o referendo sobre a IVG, será por acaso. Claro que havendo ou não havendo referendo, o caso seria, de qualquer forma, tratado pela justiça e falado na comunicação social. Porém, tendo em conta o facto de corresponder a esta fase fulcral da discussão sobre a IVG, pode estar a ser usado para influenciar a decisão no referendo a favor do Não. De facto, a mensagem que passa é a de que vale sempre a pena levar a gravidez até ao fim mesmo que a mãe ou a família não tenham condições para ter uma criança, pois haverá sempre uma “alma caridosa” que tratará dela e a defenderá como se fosse biologicamente sua filha.

É uma verdade que alguns destes casos terminam bem. Não duvido que a filha adoptiva do sargento Gomes esteja em boas mãos. O problema é que esta não é a regra. Nem sequer imagino a quantidade de crianças que aguardam por adopção fechadas em estabelecimentos de acolhimento, muitos deles de qualidade duvidosa, verdadeiras escolas de marginalidade, em todos os sentidos da palavra. Terão que esperar muito tempo e muitos nunca chegarão a ser adoptadas. E, depois? quando passarem daquela idade em que deixam de ser suficientemente “engraçadinhos” para interessarem aos casais que optam pela adopção? O que será deles? Será que é com pessoas destroçadas desde a infância por sentimentos de rejeição, abandono, baixa auto-estima, más condições de vida, marginalidade e muito mais, que se pretende “repovoar” o país como os defensores do Não clamam que é necessário fazer? Ou será que esse objectivo não seria mais bem conseguido incentivando a natalidade entre as famílias estruturadas e capazes de proporcionar um bom futuro às suas crianças?

Os defensores do Não dizem que a sua consciência não lhes permite aceitar que se destrua o que chamam de “ser humano” ao evitar que este se desenvolva e nasça. A minha não me permite aceitar que se destrua um verdadeiro ser humano, com consciência, razão e sentimentos, na tortura lenta e degradante de uma vida condenada à nascença.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Respondo Sim

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Esta é a questão que será referendada no próximo dia 11 de Fevereiro. Sim ou não? Nada mais.

Somos, ou não somos, favoráveis à despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (I.V.G.), se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas? Concordamos, ou não concordamos, que uma mulher que decida praticar uma I.V.G. seja assistida num estabelecimento de saúde devidamente autorizado?
Sim ou não?

O que será alvo de referendo no próximo dia 11 de Fevereiro é uma proposta de alteração ao código penal.

Não será alvo de referendo no próximo dia 11 de Fevereiro nenhuma lei moral.
Estejamos certos disso.

Realidade vs Idealismo

Pegando um pouco na ideia que o Ricardo expôs no seu post anterior, gostaria de focar sucintamente um dos pontos em que todos deveríamos insistir durante e após este período de intensa discussão: prevenção. Este ponto de reflexão tem como objectivo focalizar apenas um dos pontos de vista que estão em discussão. Fala-se bastante em prevenção e em planeamento familiar.

É certo que existe à disposição de muitas mulheres e respectivas famílias toda uma panóplia de elementos que permitem evitar uma gravidez indesejada. Mas também é certo que essa informação não vai ter com essas pessoas, na maior parte das vezes o contacto é feito no sentido oposto, o que pressupõe algum tipo de desejo de obter mais informação a partir do pouco que já se tem.

Sabemos que a falta de informação, conjuntamente com um acesso restrito à escolaridade desejável e com dificuldades prementes de uma vida prática e real, afectam, sobretudo, mulheres e homens que não são totalmente privilegiados.

E aí entra o conflito entre o mundo ideal e o mundo real. Esse tipo de planeamento nem sempre é feito ao mesmo ritmo que a urgência das vidas reais e temos de ter a honestidade de admitir que o recurso à interrupção voluntária da gravidez é uma realidade que, muitas vezes, não conhecemos de perto e que, como tal, preferimos admitir que não é tão grave como isso. Mas é.

Cátia Santos

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

O que está em causa

No referendo que se aproxima rapidamente, estará em causa uma das questões mais basilares para todos os seres humanos desde o despertar da humanidade: liberdade.
Mais especificamente a liberdade de cada mulher, não isolada do meio em que está inserida nem afastada da rede de relações humanas em que se inscreve, poder optar entre ter um filho que deseja ou não o ter porque não pode ou não deseja.

Alegar que a actual lei é suficiente não passará de demagogia e irrealidade. Se for a minha vontade, como mulher que sou, interromper voluntariamente a minha gravidez - não tendo sido violada, nem prevendo a existência de mal-formações do feto - só o poderei fazer recorrendo a meios ilegais. Como uma criminosa, como uma clandestina no meu próprio país, tratada como uma cidadão de segunda. É disso que se trata.

Se existe quem defenda a inconstitucionalidade da nova lei, caso venha a ser aprovada, por atentar contra a sacralidade da vida, que dizer do atentado à vida da mulher? A realização de um aborto nas condições que muitos de nós conhecem - e que eu própria conheço de muito perto - põem, obviamente, em causa a vida da mulher. A negação de cuidados de saúde e de apoio nessa altura a essas mulheres não constitui também um atentado?

É, logicamente, muito difícil para uma mulher decidir-se pelo aborto. Não é algo que se decida de forma leviana e que seja visto como facilitismo. Mas sejamos realistas: a vida prática de muitas mulheres não é um mar de rosas e é a vida prática que é vivida, não o absolutismo de alguns ideais.

Decididamente, não podemos ou não devemos julgar os outros segundo a nossa própria medida, a votação de dia 11 representa também a nossa capacidade de nos deslocarmos do nosso centro gravitacional e colocarmo-nos nas vidas de mulheres (e homens) que, possivelmente, não vivem como nós. E colocarmo-nos na nossa própria vida e sermos honestos connosco.

Cátia Santos