sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

A Manipulação Emocional: Arma de Campanha

Após a viragem de mais um século, seria de esperar que o Homem estivesse a queimar mais uma etapa no aperfeiçoamento da sua mentalidade, sobretudo no que diz respeito ao comportamento perante o seu semelhante. Porém, se há coisa para a qual servem as campanhas relativas a eleições ou a referendos é para verificarmos o quanto esta esperança parece ser vã. Nestes períodos, em que 0,5% da população, ou seja, aquela percentagem que realmente se mobiliza, passa duas semanas a tentar convencer os outros 99,5% de que as suas ideias é que estão correctas, vale tudo, até mesmo o uso de manipulação emocional.

Ontem, através de um canal de televisão, tomei conhecimento da seguinte notícia: em quatro creches (de uma localidade da qual não me recordo o nome) foram colocados folhetos nas mochilas das crianças apresentando textos claramente em defesa do voto no “não” no referendo sobre a IVG. Esses textos, obviamente destinados aos pais das crianças, foram redigidos como se se tratasse de uma carta escrita por um feto vítima de um aborto à sua mãe desnaturada, questionando-a sobre os porquês que a tinham levado a cometer tal acto. Foram citadas algumas passagens do texto na reportagem, mas, na impossibilidade de me lembrar delas com exactidão, apenas posso dizer que incluíam declarações semelhantes a: “mãezinha porque é que me mataste? estava aqui tão bem a brincar dentro da tua barriga e de repente veio um grande ferro e levou-me”, etc. Segundo o que foi dito, terá sido o padre responsável pelo centro paroquial ao qual pertencem as creches o autor desta brilhante ideia. Claro que isto não seria problema se as populações – e, neste caso específico, os pais das crianças – estivessem esclarecidos. Mesmo votando “não”, não votariam “não” pelas razões sem sentido apresentadas pelo folheto. O pior é que, quando chegou a vez de ouvir as reacções dos pais quando lhes perguntaram o que é que achavam da iniciativa do padre, surgiu a elucidativa resposta de uma das mães: depois de dizer que concordava com o texto, acrescentou qualquer coisa parecida com isto: “se calhar é mesmo assim que o bebé se sente dentro da barriga quando é vítima de um aborto”. Se esta eleitora, detentora, por isso, de poder de voto, estivesse informada, saberia que um feto com dez semanas não pode sentir dor, nem ter consciência, pois não tem sistema nervoso central e o seu cérebro ainda não está completamente desenvolvido.

Este caso remete-nos para a manipulação a que a Igreja sujeita muitos dos crentes por esse Portugal fora, sobretudo nas zonas do interior Norte, mais isoladas, com menos acesso à informação e onde a palavra dos clérigos é lei. O que torna o problema mais difícil de ser combatido é o facto de apelar à parte emocional e religiosa das pessoas. Não é por acaso que foi um padre o autor dos folhetos, nem muito menos, o facto de estes terem sido distribuídos em creches, e logo nas creches dependentes do centro paroquial que este dirige. Procurava-se visar pessoas com filhos ainda muito jovens, que provavelmente tinham sido pais à pouco tempo, e, portanto, com a experiência ainda muito recente de ter cuidado dos seus bebés. Por outro lado, se olharmos para o facto de o autor dos panfletos ser, ao mesmo tempo, o padre daquela paróquia e o responsável pelas instituições onde a população deixa os seus filhos todos os dias (provavelmente de forma gratuita), facilmente compreendemos que essas pessoas acabam por se sentir obrigadas a cumprir, não só as orientações do seu guia espiritual e porta-voz da lei divina, como do homem que zela pelo bem-estar das suas crianças enquanto estão nos seus empregos.

Este acontecimento é apenas um entre muitos. Os movimentos, grupos e instituições que defendem o “não” no referendo sobre a IVG jogam constantemente com o factor emocional, pois não têm bases racionais sólidas nas quais sustentar os seus argumentos. O antídoto está exactamente em não entrar nesse jogo e manter a discussão no campo da razão. Só assim será possível fugir ao sentimentalismo, à demagogia e ao populismo.

Dia 11, vamos vencer a manipulação emocional promovida pelos movimentos que defendem o “não”.
Dia 11, vamos vencer o obscurantismo
Dia 11, vamos votar SIM.

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