Sou pelo “sim” à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. É uma questão de defesa da vida, de respeito pelo ser humano. Esta afirmação pode parecer estranha para aqueles que defendem o “não”, mas estou convicto de que corresponde à verdade. Isto porque a vida só vale a pena ser vivida se o for com o mínimo de dignidade, o que é válido, neste caso específico, tanto para as mulheres, como para as crianças. A vida apenas pela vida, pelo simples facto de um coração bater não me parece fazer nenhum sentido.
Permitam-me que me explique melhor. Para mim, só vale a pena trazer uma criança ao mundo se lhe pudermos dar uma vida decente. De outro modo, não vale a pena. Só lhe causaríamos sofrimento, ao qual se juntaria, ainda, a dor da própria mãe e familiares, incapazes de lhe proporcionar as condições de vida ideais. Não falo dos fetos com malformações, pois é uma situação que já está prevista na lei actual, mas das crianças que, se nascerem, terão um destino marcado com a palavra “Miséria”. Para começar, miséria económica, que se encontra quase sempre associada à miséria social: desemprego, exclusão, mau ambiente familiar, habitações precárias, falta de condições higiénicas. Depois, o que daqui naturalmente advém: doença, violência, marginalidade, desinteresse pela educação. A despenalização da interrupção voluntária da gravidez pode salvar muitas crianças de destinos como este e muitas mães de agravarem a sua já precária condição.
Haverá quem diga que estes não são argumentos válidos, pois o Estado devia ajudar as famílias mais desfavorecidas para que as crianças por nascer pudessem ter melhores perspectivas de vida. É verdade que tal devia acontecer, mas para já, é uma proposta destinada a um mundo ideal. No mundo real, em que nós vivemos, e, sobretudo, em Portugal, um país que se debate com sérias dificuldades económicas, isso é impossível. O Estado não tem capacidade financeira para poder ajudar os vivos muito menos os que estão por nascer. É triste, mas é a realidade e é a partir dela que temos que pensar o assunto.
Há ainda quem clame que, se o Estado não pode ajudar essas famílias, porque é que está disposto a gastar dinheiro em abortos? Não nos iludamos. O dinheiro gasto pelo Estado para pagar um aborto, caso fosse entregue às famílias, não daria para suportar os custos de alimentação, saúde, educação, etc, de um filho. Aliás, o custo de um aborto não equivale nem a um dia de despesas na vida de uma criança. Umas quantas embalagens de fraldas e o dinheiro rapidamente desapareceria.
Porém, não defendo a despenalização da interrupção voluntária da gravidez apenas devido aos casos de falta de condições socio-económicas, embora os considere prioritários. Existem mulheres que, tendo uma situação boa ou mediana nesses campos, podem engravidar e sentir que a altura não é a melhor para ter um filho, por razões profissionais ou meramente pessoais. Pode parecer egoísmo, e não duvido que possam existir algumas situações em que o seja, mas se pensarmos melhor, será que obrigar uma mulher que não se sente preparada a ter um filho será benéfico para ele? Não me parece. Muito menos para ela. Raramente um trabalho forçado tem bons resultados.
Mais uma vez é fácil para certas vozes levantarem-se contra afirmações como estas e apresentarem-nos o argumento da prevenção. Estou de acordo com a prevenção. Mesmo que a despenalização da interrupção voluntária da gravidez ganhe, acho que se deve continuar a apostar nela. Todavia, coloca-se aqui, mais uma vez, a questão do mundo real vs mundo ideal. Num mundo ideal, a prevenção resolveria tudo: informavam-se as mulheres, explicando-lhes todos os cuidados a ter e elas cumpririam todas as indicações à risca. Porém, no mundo real, a racionalidade humana facilmente vacila, as emoções do momento nem sempre são controláveis e as coisas acontecem. Se assim é, o que fazer quando acontecem? Já vimos anteriormente que ter um filho e esperar por ajudas estatais ou outras não é a solução. A interrupção voluntária da gravidez é a solução quando tudo o resto falha, apenas quando tudo o resto falha e, como todos sabemos, falha muito.
No fundo, penso que o que está em causa neste referendo podia ser resumido à expressão “defesa da vida”, mas à defesa de uma vida com direitos, com dignidade, com felicidade e com oportunidades para mulheres e crianças, contra os que defendem a mera vida pela vida, a vida sem sentido, sem futuro.
No referendo da interrupção voluntária da gravidez devemos votar “sim”, por uma vida que valha a pena viver.